Porto Seguro


Dreaming[1]

 

Foram-se os amores que tive

ou me tiveram:

partiram

num cotejo silencioso e iluminado.

O tempo me ensinou

a não acreditar demais na morte

nem desistir demais da vida: cultivo

alegrias num jardim

onde estamos eu, os sonhos idos,

os velhos amores e seus segredos

E a esperança - que rebrilha

como pedrinhas de cor entre as raízes.

 

(Lya Luft, in Secreta Mirada, 1997)

 

Sem velhos amores, sem segredos, sem nada...nem mesmo o lenço e o documento. Estou eu, como sempre estive, com a esperança, as minhas pedrinhas coloridas e minhas raizes. Raizes de um carvalho - essas são minhas raízes e que reluzem assim como os olhos do menino no cais, ao ver o barco retornar de braços e abraços abertos e apertados.

Abraçando o Sol....



A dor é inevitável.

O sofrimento é opcional.

(Carlos Drummond de Andrade)


Durante 12 dias, insistentemente, a gripe está na minha vida, assim como outras pulhas que ainda existem em ficar. Chega! Pulei da cama, recolhi os lençóis molhados pela febre, tomei um banho gelado, uma vitamina com saião, me agasalhei e fui abraçar o sol...na infinita highway, silenciosa highway. Eu posso. Estou de férias, com horários muito bem gerenciados, um benhê maravilhoso ao lado que diz: vá se divertir.

E...como é bom ter esse poder sobre minha vida, essa certeza que eu sou mais do que um ser dominado por um virus besta, talvez produzido em laboratório por pessoas bestas e cheias de mesmices que não gostam de viver e acham que outras não tem o direito de viver intensamente. E eu amo ficar pendurada na janela do carro dando tchau para os caminhoneiros, fazendo caretas para as crianças em outros carros, ouvindo som alto, sentindo o cheiro do eucalipto ou o som das ondas.

Algum dia desses, li num jornaleco de taxista, naquelas colunas a la deitada no divã alguém dizer: "só tenho amigos virtuais, amo meus amigos virtuais, não confio nos meus amigos reais." Coi-ta-da! Meu Deus! Quanta solidão! E que Deus a livre de uma pane no sistema do qual ela faz parte.

Se sentir dominado por um virus, é normal...questão de saúde. Mas deixar-se dominar por uma máquina?

Nem virus e nem máquina. Quero o sol e a tempestade.


Leveza



"...Possibilidade das situações existenciais repetirem-se indefinidamente no tempo, por força de uma finitude das possibilidades frente a infinitude do tempo..."


(analise critica sobre O Eterno Retorno, in A Insustentavel Leveza do Ser. Milan Kundera. 1984)

Casa de Arvore

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Cidadão de Papelão


O cara que catava papelão pediu
Um pingado quente, em maus lençóis, nem voz
Nem terno, nem tampouco ternura
À margem de toda rua, sem identificação, sei não
Um homem de pedra, de pó, de pé no chão
De pé na cova, sem vocação, sem convicção

À margem de toda candura
À margem de toda candura
À margem de toda candura

Um cara, um papo, um sopapo, um papelão

Cria a dor, cria e atura
Cria a dor, cria e atura
Cria a dor, cria e atura

O cara que catava papelão pediu
Um pingado quente, em maus lençóis, à sós
Nem farda, sem tampouco fartura
Sem papel, sem assinatura

Se reciclando vai, se vai

À margem de toda candura
À margem de toda candura

Homem de pedra, de pó, de pé no chão

Não habita, se habitua
Não habita, se habitua


(Teatro Mágico)


Dia desses, ao passar por uma rua do subúrbio, observei um cara. Era apenas um cara, já de tenra idade, entrando dentro da árvore.

A frondosa árvore, de muitos galhos, de incontáveis troncos que surgiam do chão se entrelaçando uns nos outros e formando àquela frondosa e linda árvore numa esquina qualquer de um subúrbio qualquer. Ali ele não era cidadão, mas mantinha residência e domicílio fixos.

"Sr. Ninguém, brasileiro, aparentemente solteiro, não portador de identidade e cpf, residente e domiciliado na cidade do Rio de Janeiro, à rua tal, na arvore tal, sem numero"

Era a moradia dele...com papel, papelão, alguns panos, muitos galhos e frondosos troncos.


- A árvore o protege da chuva. Disse minha mãe.


Talvez, apenas agora, com o passar dos anos, esteja realizando o seu sonho de criança - construir sua casa na árvore.



Fugindo das formigas...

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Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito.

Clarice Lispector

Exausta de uma breve viagem e feliz por não ter ido em outra viagem, entrei offline no msn e li meus e-mails. Vi Adão entrar rapidinho, bati um papo rápido com Rayol e encontrei um recado de Wolverine. Mas, acabei me atendo em uma pergunta.

"O que faz você feliz?" Perguntava uma amiga, na sua mensagem de apresentação do MSN. Fiquei offline procurando entender àquela pergunta, e o pior...buscando por minhas respostas. Tá...tudo bem...sou feliz prá cacete...rio a toa...acho graça de tudo...mas me puno, as vezes, por ser assim. Dia desses, no treinamento de parapente (voltei a treinar) pisei num formigueiro, meu tênis foi tomado por formigas e sai correndo mato a dentro tirando o tênis, meias e gritando socorro para meu instrutor. Que cena bizarra. Ao final, eu era pura gargalhada e meu instrutor olhava para minha cara, estupefado. Talvez, seja por isso, que não aparento a idade que tenho, nem carrego o peso dos anos na face, nas mãos, no corpo. Consigo rir de mim mesma. Afinal, eu era a intrusa que destruia o formigueiro...elas estavam apenas defendendo seu territorio.

Uma vez, ainda pequena ou adolescente, não lembro, ouvi um amigo da minha mãe dizer: "se há solução vou me preocupar por quê? E se não há solução, por que vou me preocupar?" Com o passar dos anos, com a responsabilidade, as idas e vindas, descobri que ele estava certo. É simples assim...nós que complicamos.

O que me faz feliz?? Acho que acordar todos os dias e ainda procurar por minhas respostas enquanto corro das formigas.

 

Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.

Carlos Drummond de Andrade

À flor da pele...


Aqui está minha vida. Esta areia tão clara com desenhos de andar dedicados ao vento. Aqui está minha voz, esta concha vazia, sombra de som curtindo seu próprio lamento Aqui está minha dor, este coral quebrado, sobrevivendo ao seu patético momento. Aqui está minha herança, este mar solitário que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.

(Cecília Meirelles)

 

FlorTattoo[1]

 

Há tempos que não me arrisco nas veias da poesia...cheguei a esta conclusão ao visitar-me no meu espaço de poemas. Li...reli alguns e não senti falta de parte de mim destinada a ninguém. Não sinto falta das emoções que sinto...quando não estou à flor da pele. Não sei dividir o que sinto, mais fácil dividir e espalhar ao vento o que não sinto. Acho que ando egoista nos nossos sentimentos. São tão nossos...apenas nossos.

Além de Curvas e Bifurcacões



Essa vai para minha amiga Julie e as analogias de si mesma.

Quando deletei o meu Curvas e Bifurcações, optei pela destituição de mim mesma ou de parte de mim. Nunca estou completa, por inteiro quando observada por outros olhos - não permito que me decifrem. Só me desnudo para mim mesma...nem mesmo para ele...quanto mais para os outros.

Mas, não haviam curvas e bifurcações - nunca houve. Há uma estrada a ser seguida e é nela que quero estar. É ela que me satisfaz, independe do que encontrarei mais a frente...além da curva...além de mim.



Para além da curva da estrada

Talvez haja um poço, e talvez um castelo,

E talvez apenas a continuação da estrada.

Não sei nem pergunto.

Enquanto vou na estrada antes da curva

Só olho para a estrada antes da curva,

Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.

De nada me serviria estar olhando para outro lado

E para aquilo que não vejo.

Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.

Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.

Se há alguém para além da curva da estrada,

Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.

Essa é que é a estrada para eles.

Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.

Por ora só sabemos que lá não estamos.

Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva

Há a estrada sem curva nenhuma.


(Fernando Pessoa. In Poemas Completos - Alberto Caeiro)